A bioconstrução da Casinha do amô e ensinamentos sobre o morar

Eu sempre quis ter uma casa pra chamar de minha, pra enfeitar as parades com as coisas que enfeitam meu ser, pra ter ali o aconchego de um lar que fosse meu pouso nos vôos que nunca vou deixar de alçar nessa vida. Mas nunca pensei que essa casa seria construída aos moldes tradicionais, porque isso também não fazia parte do estilo de vida que minha família veio galgando nos últimos anos. O sonho era uma bioconstrução, um jeito de intervir no espaço que nos foi cedido pelo universo de forma consciente e sustentável, honrando esse presente da forma mais íntegra que poderíamos. Além disso, era muito importante pra nós mostrar à Tomé e Nina, nosso filhos, que poderíamos construir essa casa com nossas próprias mãos. Estaríamos assim, plantando dentro deles a consciência da auto-suficiência, essa utopia que nos move diariamente em tudo o que temos e somos.

Tínhamos então um terreno na Bahia para ancorar tamanho desafio, fruto de uma parceria bonita com um casal de irmãos que a vida nos deu. Um tanto de mil ideias, rabiscos no papel, muita euforia, nada de experiência, uma cadinho de grana, um monte de frio na barriga e aquela coragem adolescente que nos consome quando estamos perto de realizar um sonho imenso. Aparentemente tudo certo, não fosse o nosso atrevimento de querer expandir essa construção de algo que era nosso para o Brasil inteiro. O que pairava pelas nossas cabeças e corações era o seguinte: vamos nos arriscar a quebrar um padrão e construir nossa casa com as próprias mãos. Queremos ser essa referência para nossos filhos. Nosso intuito é ser coerente e responsável com a natureza. Porque não expandirmos essa experiência para outras pessoas e multiplicar tanta beleza em mil? Sim, vamos construir coletivamente e espalhar essa porra toda aos quatro cantos desse país.

Escrevemos então um post em nosso blog e fizemos uma chamado para qualquer pessoa que quisesse ser mão de obra voluntária nessa aventura. Generoso que é esse universo, recebemos já no primeiro dia cerca de 70 emails de pessoas interessadas em se achegar nesse movimento. No final das contas, foram mais de 180 boas almas que por lá passaram durante 08 meses de trabalho pesado, de aprendizado sem tamanho. Se quiser saber mais sobre como tudo aconteceu, lá na minha gaveta de devaneios particular tem um diário de bordo completinho sobre tudo isso.

Com o coração transbordando gratidão por todos os lados, hoje percebo quanta coisa foi construída em mim junto com essa casa. Confesso que quase enlouqueci algumas 30 vezes, mas a força de tudo me manteve sã para assimilar a quantidade de aprendizado que estávamos recebendo e espalhando por ali. Das coisas mais importantes que ficaram em mim, compartilho algumas, porque são relevantes para fazer qualquer pessoa acreditar que o mundo pode ser mais bonito se formos juntos:

  • Tudo o que é supostamente seu pode ser do outro também e, se você compartilha, acaba inspirando e movimentando uma corrente que move o mundo praquele lugar que você sempre quis ver. Sim, parece clichê, mas é bem verdade, te falo de cadeira;

 

  • Lidar com a diferença é uma parada que dá medo, mas te transforma de cima em baixo, toda hora. Convivi durante meses com mais de 180 pessoas, praticamente dentro da minha casa, de todas as cores, formas, culturas, expectativas, filosofias, comportamentos, etc. Cada uma delas fez um rebuliço dentro de mim, cada uma delas me foi espelho para curar um tanto de coisas no meu peito, cada uma delas partiu deixando algo pra me ensinar;

 

  • A força do coletivo, do fazer junto, da união é tão incrível que a gente nem faz ideia nestes tempos de individualismo desmedido. Jamais conseguiríamos erguer paredes de barro tão grossas e firmes se não tivéssemos tantos pés e corações para, juntos, amassar a terra que levantou a casa. Foram dias de muito trabalho, pandeiro e cantoria, crianças e adultos, celebração por tantos encontros bonitos ao redor de um projeto dos sonhos;

 

  • Cheganças trazem consigo partidas, um aprendizado incrível sobre desapego que foi vivido muito também por Tomé e Nina. Nasceram ali relações de muita amizade, afeto e amor, reencontros lindos com pessoas maravilhosas. Algumas ficaram por poucos dias, outras por meses, tem gente que volta até hoje. Entender a volatilidade da presença física e, ao mesmo tempo, a força dos laços enraizados com essas pessoas foi outro desafio. Deixar ir com os olhos marejados, aprender a desapegar da rotina lado a lado e entender que estar junto é estar dentro;

 

  • A gente precisa acreditar mais em nós mesmos e no outro, na humanidade inteira. Mesmo que isso seja algo cada dia mais difícil, mesmo que o mundo cão tente nos mostrar o contrário pela tela da televisão. Tivemos a prova concreta de que vale a fé nessa vida. Foram mais de 180 pessoas de todo Brasil (80% delas nunca tínhamos visto) que saíram do conforto de suas casas para ajudar nossa família a construir um lar, para trabalhar no sol forte da Bahia sem ganhar um real se quer. Além disso, foram mais de 10 mil reais arrecadados em uma vaquinha virtual para alimentar toda essa gente linda. Ou seja, mais muitas pessoas que estiveram por lá sem o corpo físico, mas que contribuíram com a realização de um sonho que era nosso. Cara, isso é incível demais e eu vibro no corpo todo uma gratidão infinita por cada uma dessas pessoas;

 

  • A gente pode tudo o que quer com o coracão. Ah, pode! Por mais que toda e qualquer dificuldade, zona de conforto, medo, qualquer coisa tente te bloquear. Se você tira a poeira da frente do desejo genuíno de fazer, fica ali a força do seu querer e ela é tão forte que se espalha e contamina mais um e mais um e mais um. Assim a gente inspira o mundo e acaba sendo um ponto de luz que se espalha e ilumina outros;

E tantas mais coisas que poderia fazer uma lista de 100 ítens aqui. Tudo parace muito clichê e utopia, mas se não fosse nada disso eu não teria a casa que tenho hoje. Houveram muitos momentos difícieis sim, mas ninguém falou que seria fácil. E nenhum destes perrengues conseguiu derrubar a beleza desta construção coletiva. Minha casa não é uma casa, é a memória palpável de vivências e ensinamentos que vou levar pra toda vida, mesmo se um dia tiver que deixá-la. Essa casa mora em mim tanto quando eu nela. Não tem um só dia que não abro os olhos pela manhã e sinto a energia de tudo e todos que passaram por ali. A Casinha do Amô, como foi chamada desde o começo, foi e é a chance mais bonita que o universo nos deu de conexão com nossa ancestralidade.

Trazer de volta as técnicas de construção dos nossos tataravós, honrar o respeito à natureza, retomar a força e a beleza da simplicidade, fortalecer a união do coletivo e da família. E essa reconexão com nossas raízes nos aproxima de nós mesmos, nos deixa mais perto da força que somos e só assim conseguimos dar um passo por dia para reformarmos essa imensa casa que é o mundo no qual vivemos!

Não poderia terminar esse compartilhar sem derramar a imensa gratidão que tenho no peito por cada pessoa que esteve conosco nesse processo: aos que estiveram por aqui colocando a mão na massa, aos que contribuíram com grana, aos que emanaram de longe boas energias e amor. Gratidão à Iside e Lorenzo, nossos parceiros nesse projeto, à minha mãínha e meus irmãos, que sempre foram apoio incondicional em todas as minhas aventuras, ao Hugo, por tanto suor, coragem e dedicação na guiança de todo esse processo, à Tomé e Nina, por serem a força de todo o amor que me move.

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