Um tanto de coisas e seguimos…

Comovida com o tanto de respostas carinhosas e preocupadas recebidas por email do meu ultimo post sobre perdas. Deu até alegria em saber que no meio de um mundo tão imediatista, pessoas ainda param pra fazer uma leitura sobre alguém. Gente, eu estou bem viu? Mas como muitos, processando mudanças involuntárias e outras nas quais sou inteiramente responsável.

Tenho trinta e oito anos, quase trinta e nove. As vezes penso que o passar dos anos não muda muita coisa, os problemas com culpa, abandono e não sentir-me suficiente boa até pra mim mesma estão me acompanhando desde que aprendi a escrever sozinha o meu nome completo. Socialmente essa é a narrativa de todas nós mulheres, mas talvez agora, diferente de quinze ou cinco anos atrás (não importa), consigo dissimular minha vida mediana em algo brando, enquanto prendo quadros com o martelo de carne que peguei na gaveta da cozinha. Construir pequenos cenários para as minhas próprias performances é também um jeito de organizar meus rinocerontes mentais em fila. As coisas funcionam melhor.

O fim de semana foi intenso. Meu pai fez setenta anos e reunimos a nossa pequena família nuclear. Feijoada, caranguejos que chegaram vivos e quarenta minutos depois estavam sendo devorados por nós, humanos esquisitos que se lambuzam com as patas desses seres excêntricos (meu pai pediu pra eu pensar no conceito da cadeia alimentar e não quis contrariá-lo), churrasco com uma carne de sol perfeita e um kit festa pra finalizar (salgados fritos, brigadeiro, surpresa de uva e um bolo sabor bem-casado). Achamos pouco e fomos comer o mesmo cachorro quente que antes era servido por Jessé numa barraca em frente a escola que fiz a alfabetização, queijo coalho ralado por cima da batata palha e a salsicha acompanhada de carne moída.

Não sei se esse tanto de comida me deixou sensível, já que dizem que as emoções estão diretamente ligadas ao estômago, ou a exaustão dos meus ressentimentos daquele dia imprudentemente feliz, emergiram como um tsunami enquanto dormia. Uma sucessão de pesadelos que desencadearam em sons estranhos que não era um choro propriamente dito, mas que dava pra ouvir enquanto tentava desesperadamente fazer a passagem pra realidade daquela cama de colchão tão macio quanto o abraço que senti da segunda vez que acordei chutando o nada. O colchão na verdade só piorou as dores no corpo (durmo em colchão ortopédico) e o abraço não durou mais que um breve momento seguido de palavras racionais das quais até compreendi a intenção, mas não era definitivamente o que eu precisava. Sinto, muito. Pra alguém que sente em excesso o acolhimento vem com a liberdade. No fim das contas, despertei, tomei um banho e dei importância apenas ao que era importante, minhas crianças. Os pesadelos ainda estão reverberando, foram quase que uma sessão de regressão, gratuita e não supervisionada.

Hoje chegaram os primeiros livros que comprei na Amazon durante a Black Friday. Oito livros por oitenta e nove reais. Um deles da Lena Dunham, a eterna Hannah da saudosa série Girls. Na introdução ela conta sobre a compra de um livro, o Having It All (Como ter tudo), de Helen Gurley Brown. O livro é de 1982 e é tipo um guia para mulheres de “pura loucura”, coisas inconcebíveis nos dias atuais. A tentativa de Brown é convencer de que todas nós podemos ser abençoadas com “amor, sucesso, sexo e dinheiro, mesmo que comecemos do nada”. Risos. Pra convencer-se a si e a quem começa a ler o “Não sou uma dessas”, nesse caso o livro da Lena, que comprei na Black Friday, em um parágrafo ela escreve nos preparando para os capítulos seguintes com suas histórias assim como na série estreada em dois mil e doze:

“Não há nada mais corajoso para mim do que uma pessoa anunciar que sua história merece ser contada, sobretudo se essa história é de uma mulher. Por mais que tenhamos trabalhado muito e por mais longe que tenhamos chegado, ainda existem muitas forças que conspiram para dizer às mulheres que nossas preocupações são fúteis, que nossas opiniões não são relevantes, de que não dispomos do grau de serenidade necessário para que nossas histórias tenham importância. Que a escrita pessoal feminina não passa de um exercício de vaidade e que nós deveríamos apreciar esse novo mundo para mulheres, sentar e calar a boca.”

Por hoje é só.

Um abraço, querides.

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