Quantas versões de uma casa carregamos em nós?

Na minha linha particular do tempo, consulto cidades e casas na memória para descobrir idades e acontecimentos. Se alguém comenta sobre a copa do Romário e do Bebeto, ou sei lá, a morte do Ayrton Senna, consulto minha geolocalização afetiva e acesso o ano pelas lembranças de onde morei, nesse caso específico, na casinha de veraneio dos meus avós, em Gravatá-PE. O ano era 1994.

É um movimento natural de todos nós viajarmos ao passado, talvez para alguns atrelá-lo a lugares já vividos, seja um parâmetro (digo “talvez” porque algumas pessoas vivem todos os anos da vida no mesmo endereço), algo muito espontâneo. Pra mim é uma experiência quase que sensorial: visito salas, quartos, subo escadas, sinto cheiros específicos, recordo de rachaduras, azulejos, torneiras que pingam. Foram muitas, muitas casas.

São lugares que me afetam.

Nos últimos anos o termo decoração afetiva foi usado pra buscar conexões com quem somos, por onde passamos, no que acreditamos, expressando o resultado em nossas paredes de alvenaria (e vale ressaltar aqui o quanto estou completamente exausta sobre como capitalizamos o conceito). Creio que a partir de agora podemos olhar para o morar afetivo, porque esse sim, pode realmente ser um lugar mais honesto pra entendermos sobre nós e como podemos refletir não só nossa identidade onde moramos, como também habitarmos esse espaço interno de dor e cura.

Vou trazer minha história aqui novamente pra que você entenda melhor:

Gravatá é onde vivo atualmente, o mesmo lugar do começo desse texto. Ao longo dos meus quarenta anos já tive algumas idas e vindas, tenho uma história. Após 1994, mudamos pra Olinda e depois retornamos pra cá, em 1997. Em 1998 meus pais se separaram, então foi aqui que minha família nuclear se dissolveu. Após muitos anos em outros lugares, voltei com o meu marido e filho mais velho, o ano era 2012. Em 2015 nos separamos após um ano do nascimento do nosso segundo filho. Mais uma dissolução. Então fui embora pra capital e após quatro anos, retornei mais uma vez, com uma ideia de constituir uma outra família. E foi aqui, mais uma vez, que me deparei com mais um término, outro fim.

Poderia comentar sobre o que minha vó Edite também já viveu por essas bandas de cá, mas vou deixar para um outro momento. Quero apenas que você saiba que existe outras histórias difíceis pra contar sobre essa cidade, gerações, ancestralidade.

Pelo histórico do que já expus, provavelmente você deve tá pensando que vou mudar novamente, e sim, isso já passou muitas vezes pela minha cabeça no último ano. Mas decidi que não, que eu não vou embora daqui. Ao contrário, vou me curar aqui, estou me curando aqui. Quero olhar pra esse morar que me afeta, e de fato, ME AFETA, porque ando por ruas que escancaram minhas memórias, e esbarrar em todas as versões que já vivi nessa linha cíclica do tempo: na criança que corria pelos trilhos onde passava o trem, na adolescente que começou a namorar pela primeira vez, na mãe grávida que caminhava na feira livre, na mulher corajosa e falha que fui no meu casamento, na empreendedora correndo com o carro cheio até os Correios…Tenho muitas Anas pra acolher, entender, pra perdoar. Então sinto que estou no lugar certo e é aqui que quero começar a arrumar a casa. Isso faz sentindo pra mim.

O morar afetivo é um espaço para muitas coisas, sobretudo, para o autoconhecimento. É nesse movimento de percepção do lugar que vivo, que posso fazer escolhas de ficar e partir, do que é importante nesse momento ter, e do que posso deixar ir. Que sou, quem já fui, quem posso ser…

É lindo quando dizem que lar é onde seu coração está. Ok, ótimo, estamos falando sobre algo subjetivo, poético…massa! Mas onde seu coração está? Como ele está? Podemos fazer alguma coisa pra que esse coração esteja mais confortável e possa ser visto como um lar?

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É a neta de D. Edite. Ana comanda o #ACQMVQ e vive diariamente decorando aqui e ali. Trabalha home office produzindo conteúdo para o blog e outras empresas das internetes. É mãe de dois pioios lindos, ama comer, desaguar nas palavras, e não dispensa uma caipirinha no fim de semana. Sabe que ser livre também é perder o controle, que morar é mais do que habitar e que um abraço apertado é melhor que banheira de ofurô.
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