O último ano me levou mais pessoas que o vírus

Pouco a pouco fui sentindo os lutos que 2021 sentenciou. De Janeiro a Dezembro pequenos rituais dolorosos de passagem foram se concretizando em mensagens não respondidas, em não sentir-me mais parte, em breves constatações de loucura e lucidez sobre momentos não mais compartilhados. Em buscas internas que pareciam inalcançáveis.

Não sei vocês, mas perdi meu melhor amigo e não foi pro vírus. Foi por ele ter sobrevivido a tudo que passou sem precisar mais das minhas palavras e presença (parece egoísta, talvez seja mágoa, alguns outros amigos em comum dizem que realmente devo seguir em frente). Até relativizei naquela mensagem do dia do amigo porque entendi que ele, assim como eu, tinha muita coisa pra pensar e muitas demandas (palavra que ele adora). Depois tive que enterrá-lo quando cheguei no meu limite, o que ele mesmo me ensinou a colocar quando algo estivesse me machucando.

Também partiram pessoas novas, mas que foram motivação para suportar momentos complicados muito antes de falarmos sobre isolamento social. Após 12 anos voltei para o mercado de trabalho e tinha uma turma de colegas. Até hoje sem entender o motivo que fez a mais querida de todas me bloquear em todas as redes sociais e levar os outros com ela. Sério, respeitava demais essa galera. Senti o baque.

Agora vamos pra parte que realmente não consigo controlar as lágrimas que agora descem de maneira infantil pelo meu rosto: perdi muitas versões de mim mesma. Não há motivos e culpados, são coisas demais acontecendo dentro da mente da gente perto dos quarenta anos.

Perdi a Ana feminista com poder de ação, destemida, a que dialoga abre a porta e vai. Perdi a Ana que faz ninho, que cria um mundo e nele se expande. Perdi a Ana que se protege de todo mal. Perdi a Ana que sorrir fácil, que dança sem muita afinidade com os ritmos, que gosta de andar nas ruas do centro, que chora na exposição do Centro Cultural da Caixa emocionada com o amor de Jorge Amado e Zélia Gattai. Perdi a versão delícia verão água de mar. Perdi a porra louca quero que se foda porque o vida já me machucou demais. Todas elas são parte do que gosto também em mim. Não devemos nos abandonar, mesmo que pra aprender sobre isso a gente se perca muitas vezes no processo.

Não prometerei nada pra 2022 além do meu voto (que é do Lula e todo mundo sabe), mas me esforçarei pra ser mais generosa comigo, pra não mais me encolher em todos os medos que me rondam. Quem quiser presenciar a minha completude e o que tenho a oferecer, estará ao meu lado, quem não, estará seguindo outros caminhos importantes.

A última fase do luto é a aceitação.

5 COMMENTS

  1. Oi Ana. Te acompanho há quase dez anos (e confesso que fiquei surpresa porque acabei de me dar conta disso. É muito tempo. Rsrs). E compartilho do seu sentimento, venho perdendo pessoas ao longo dos últimos anos, antes mesmo da pandemia. E isso não deveria doer tanto. Mas dói. Mas de fato a última fase do luto é a aceitação. Sinto que também estou próxima disso.

  2. Caramba Ana… sensibilizada com teu texto, de peito aberto. Me vi em você. Muito. Até porque também sou Ana. Durante tantos anos te vejo na rede trazendo tantas outras coisas, que nunca parei pra pensar nessa Ana que tem batalhas como todas as Anas…

    Já sofri perdas assim, que lá na frente fui entender. Algumas levei anos pra digerir. Outras entendi meu papel e vi o quanto eu precisava me transformar para me doar melhor, e assim saber receber melhor.

    Que tuas perdas te abram espaço para novos encontros, para mais sorrisos. Que teu luto te fortaleça. Um abraço de Ana pra Ana <3

  3. Ana, também morri um pouco, também fiquei dolorida. Adorei o seu texto, é sempre necessário falar sobre esse luto, o de nós mesmas. Beijos!

  4. Eu admiro muito você. E há muito tempo. Você sabe. Eu não consigo aceitar a perda de uma amiga, assim, pra vida… simplesmente perdi. Já tem 11 anos. Ainda não consegui enterrar.
    Perdi minha cunhada/amiga/comadre dois dias antes de ser decretada a pandemia (acidente de carro). Assumi um lugar que não sei se deveria ser meu: uma “guarda compartilhada” com meu irmão, do meu sobrinho.
    Estou indo para o sétimo período da faculdade, que pensei ser um período onde faria amizades para o resto da vida com uma galera legal, fui taxada de racista por ter feito um comentário sobre MEU cabelo e só tenho duas amigas.
    Nem posso dizer que me perdi de mim, pois eu nem sei mais quem sou. Não tenho coragem de ME encarar numa terapia. Tá difícil!

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