O “estar em casa” como um esconderijo para si mesmo

Beautiful woman locked in giant cage. Abuse concept. Female head silhouette in abstract prison. Abusive relationships, problem with mental health, unbalance. Modern vector Illustration.

Se a presença nesse lugar de recolhimento nos traz muitas oportunidades de reflexão sobre nossas aflições, os papeis sociais que desempenhamos também fazem parte do nosso autoconhecimento, da nossa evolução.

Tenho uma amiga com problemas de autoestima, quase todas as vezes que saíamos, ela sentia-se inadequada. A maneira de se fazer presente nos lugares, escondendo toda sua insegurança, era bebendo durante toda a noite, misturando cerveja com cachaça e o que mais lhe fosse oferecido. Recentemente estávamos tomando uma batida de uva na varanda aqui de casa e ela me dizia o quanto era dolorido “se passar” nessas festas, e mais ainda, quando ríamos dela, ainda que fizéssemos todos os esforços para mantê-la segura. Ela é naturalmente engraçada, mas não era piada, era sofrimento.

Entendo que hoje numa relação estável com alguém que a valoriza, o mundo lá fora não seja tão atraente, sair com as amigas solteiras não seja prioridade, mas o quanto se isolar tem feito bem para o seu processo pessoal? Ela continua se sentindo inadequada, sua autoestima continua completamente afetada e o seu problema em si não foi resolvido.

Há uns anos tive um relacionamento muito complicado. Éramos amigos há 3 anos e a presença dele em minha vida sempre foi algo muito leve, até chegar a paixão. Em poucas semanas estava em um relação muito tóxica, controladora. Como mais uma mulher criada numa sociedade patriarcal, achei que sim, era uma insegurança devido ao rápido rumo que nossos planos tomaram, até que depois de muitas violências verbais e situações constrangedoras decorrentes de um ciúme delirante da parte dele, cortamos completamente qualquer tipo de contato.

No ano seguinte veio a pandemia, o que realmente foi positivo para essa quebra abrupta de vínculo, mas na retomada, nas primeiras saídas pelas ruas da cidade, eu tive medo de encontrá-lo. Não só porque morávamos perto, ele trabalhava na rua atrás do meu prédio, tínhamos muitos amigos em comum e frequentávamos os mesmos lugares. Estava sim numa situação complicada devido às circunstâncias de abusos dessa relação, mas já se passaram três anos e ainda me encontro procurando-o todas as vezes que saio do meu casulo. Assim como já recusei convites por achar que iria encontrá-lo em lugares.

O que quero dizer com essas duas histórias, onde temos autoestima e traumas envolvidos, é que ao mesmo tempo que podemos escolher por um caminho de preservação, nos recolhendo em nossas gaiolas, ele não é a saída.

Minha amiga não pode esconder suas inseguranças dentro do seu guarda-roupa, eu não posso me trancar na minha “cabaninha de madeira” no interior e deixar de ir aos lugares que gosto porque meu ex pode chegar a qualquer momento. Por mais que não tenha ninguém nos proibindo nem nos ameaçando se sairmos pela porta, é preciso reconhecer a hora de encarar o que temos depois dela.

É preciso reconhecer nosso lar como um espaço seguro, mas também reconhece-lo como um cativeiro quando queremos nos esconder de algo que não faz parte dele, mas si de nós.

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